Em torno de uma epistemologia preta
DOI:
https://doi.org/10.24065/2237-9460.2019v9n4ID1003Resumo
Jean-Marc Lévy-Leblond, físico e professor da Universidade de Nice, França, em seu livro “O pensar e a prática da ciência: antinomias da razão”, ao se utilizar de uma analogia nada arbitrária, atestou a perspectiva etnocentrada europeia: “Se for preciso encontrar um deus para a epistemologia, que seja um Jano policéfalo” (LÉVY-LEBLOND, 2004, p. 397).
Ora, ao escolher Jano, deus das portas e das estradas, senhor dos caminhos, deus romano, Lévy-Leblond está forçosamente de um lado de uma fronteira epistêmica, fazendo valer certa verdade. A analogia utilizada constitui o supostamente natural como fonte de verdade, uma verdade perspectiva e estratégica que confirma um imaginário violento e lhe dá respaldo. Trata-se da violência epistêmica do Norte.
O físico francês não acionou apenas um lado. Exerceu seu poder de dizer “algo” e colocou em curso uma velha cantilena duvidosa de que os outros poderão um dia tornar-se feliz, desde que, sob a batuta de uma cultura europeia ilusoriamente superior. Deu voz a um desejo de domínio cognitivo que se expressa por meio de afirmações, aparentemente, neutras ou casuais, as quais devem ser colocadas em seu devido lugar por meio de uma problematização séria.